25.5.07

Bens integrados ao cotidiano familiar são impenhoráveis

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. IMPENHORABILIDADE. LEI Nº 8.009/90. FREEZER, FORNO DE MICROONDAS, MÁQUINA DE LAVRA ROUPAS, APARELHO DE SOM E DVD.
A impenhorabilidade não recai apenas sobre os bens indispensáveis à vida familiar, mas, sim, sobre todos aqueles que, não se tratando de meros adornos suntuosos ou supérfluos, são normalmente encontrados em um lar comum.
Atualmente, não se pode considerar o freezer, o forno de microondas, a máquina de lavra roupas e os aparelhos de som e tocador de DVD como adornos suntuosos, pois necessários à manutenção digna da família atual. Precedentes no STJ e desta Corte.
Penhorabilidade, entretanto, do “barzinho de madeira” e do depurador de ar, pois não se apresentam indispensáveis ao lar, dado que não essenciais às atividades domésticas. Forno elétrico que, no caso concreto, apresenta-se penhorável, visto que existente forno convencional e forno de microondas na residência do executado.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.

Apelação Cível

Décima Oitava Câmara Cível
Nº 70018069211

Comarca de Garibaldi
WILSON PEDRO CERUTTI

APELANTE
SUPER UTIL COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes (Presidente e Revisor) e Des. André Luiz Planella Villarinho.
Porto Alegre, 08 de fevereiro de 2007.
DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Pedro Celso Dal Prá (RELATOR)
WILSON PEDRO CERUTTI opôs embargos do devedor em face da execução promovida por SUPER ÚTIL COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA, alegando a impenhorabilidade dos bens móveis constritos na execução, pois estes guarneceriam sua residência, estando albergado pela proteção dada pelo parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.009/90. Pede o acolhimento dos embargos.
Intimado, o embargado apresentou impugnação (fls. 31-34), alegando que os bens penhorados são suntuosos, não se enquadrando na proteção legal da Lei nº 8.009/90, sob pena de se institucionalizar o calote. Postula o desacolhimento dos embargos.
Réplica em fls. 35-37.
Ao regular processamento do feito, seguiu-se a sentença das fls. 40-43, que julgou improcedentes os embargos do devedor, por entender que os bens penhorados não são indispensáveis para a família do embargante. Condenou o embargante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 600,00, com exigibilidade suspensa pela gratuidade.
Irresignado, o embargante interpôs recurso de apelação (fls. 44-49), alegando a impenhorabilidade dos bens móveis que guarnecem sua residência, os quais devem ser liberados da constrição operada nos autos da execução, ante a proteção legal dos art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.009/90. Postula o provimento do recurso.
Contra-razões em fls. 51-55.
Remetidos a este Tribunal de Justiça, foram-me os autos distribuídos em 15/12/2006, vindo conclusos para julgamento em 20/12/2006.
É o relatório.
VOTOS
Des. Pedro Celso Dal Prá (RELATOR)
Eminentes Colegas: Estou por prover em parte o recurso.
Cuida-se de embargos à execução, onde o embargante, ora apelante, postula a liberação de bens que guarneciam sua residência e que não poderiam ter sido penhorados, por força da Lei n.º 8.009/90.
Consoante se depreende do mandado de penhora da fl. 59 do apenso, foram penhorados, a pedido da apelada, os seguintes bens na residência do embargante, ora apelante: 01 freezer, marca Prosdócimo, F215 Smile, cor branca; 01 forno de microondas, marca Panasonic, cor branca; 01 depurador de ar, marca Dako, cor branca; 01 forno elétrico, marca Fischer Grill, cor branca; 01 maquina de lavar roupas, marca Eletrolux, Top oito, cor branca; 01 barzinho de madeira, cor bege; 01 aparelho de som, marca Britania Sound, BS W 600, digital, com duas caixas de som; e 01 aparelho de DVD Matrix Plus, marca Britania Image, com controle remoto.
A sentença vergastada julgou improcedentes os embargos, mantendo a constrição dos bens relacionados no referido auto de penhora, sob o fundamento de que os referidos bens são úteis, mas não indispensáveis à manutenção do lar do embargante.
Entretanto, preservada a convicção da MM. Magistrada Sentenciante, tenho que essa não é a melhor solução ao litígio.
A princípio, cabe salientar que a proteção conferida pela Lei nº 8.009/90 é de caráter restritivo, devendo ser interpretada de forma excepcional, não como regra geral.
Assim, os bens móveis que estão a guarnecer a residência do devedor/executado, quando indispensáveis à existência digna da entidade familiar, são abrangidos pela impenhorabilidade trazida pela referida Lei. Caso contrário, constatada a desnecessidade da manutenção de certos móveis, não haverá óbice algum à realização da constrição e posterior venda judicial ou adjudicação para satisfação do crédito executado.
Logo, impenhoráveis são aqueles bens integrados ao cotidiano familiar, necessários ao funcionamento do lar ou à atividade econômica desenvolvida pelo devedor.
O referido mandado de penhora de bens da fl. 59 do apenso evidencia que apenas alguns dos bens indicados pela apelada estão abrangidos pelo manto da impenhorabilidade, enquanto que outros, em princípio, são passíveis de penhora.
No caso dos autos, a meu sentir, dos bens penhorados, somente o “barzinho de madeira”, o depurador de ar e o forno elétrico são penhoráveis, pois não são indispensáveis ao lar, dado que não essenciais às atividades domésticas, tratando-se de bens supérfluos à existência do lar familiar.
De ressaltar que o forno elétrico, no caso concreto, apresenta-se penhorável porque existente fogão a gás na residência do embargante, o qual já possui forno convencional, além do forno de microondas, reconhecido, neste julgamento, como impenhorável. O barzinho de madeira e o depurador de ar apresentam-se como meros adornos, supérfluos ao cotidiano da entidade familiar.
Com relação aos demais bens (freezer, forno de microondas, máquina de lavar roupas, aparelho de som e aparelho de DVD), não se enquadram na modalidade de adornos considerados suntuosos, sendo necessários para a manutenção digna da vida familiar.
A jurisprudência mais recente vem acolhendo, de forma tranqüila, a impenhorabilidade do freezer e do aparelho de videocassete (e, por conseqüência, do aparelho de DVD), por entender que não se enquadram na modalidade de adornos considerados suntuosos, sendo necessários para a manutenção digna da vida familiar, especialmente se considerado que na sociedade moderna existe cada vez menos tempo para os pequenos trabalhos do cotidiano.
Referidos bens, que antes eram considerados meros objetos que facilitavam a vida da pessoa, hoje devem ser tidos como necessários, especialmente para aquele que trabalha durante o dia e, ao retornar ao lar, ainda necessita realizar toda espécie de atividade doméstica. Não se trata de flexibilização excessiva de norma jurídica ou utilização de preceito de direito alternativo, mas sim de admitir e reconhecer o atual estágio da sociedade atual.
No caso do freezer, por exemplo, não calha a alegação deduzida pela embargada de que, por existir refrigerador na casa do executado, poderia ser penhorado, na medida em que tais aparelhos não possuem a mesma finalidade, sabendo-se que o refrigerador não se presta para acondicionar ou congelar alimentos a médio e longo prazo.
Aliás, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça já, de algum tempo, vem decidindo que a impenhorabilidade não recai apenas sobre os bens indispensáveis a vida familiar, mas, sim, sobre todos aqueles que, não se tratando de meros adornos suntuosos ou supérfluos, são comumente encontrados em um lar comum. Senão vejamos:
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. BENS DE FAMÍLIA. MÁQUINA DE LAVAR LOUÇA, MICROONDAS, FREEZER, MICROCOMPUTADOR E IMPRESSORA. LEI N. 8.009/90. IMPENHORABILIDADE. PRECEDENTES.
Este Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento segundo o qual "são impenhoráveis todos os móveis guarnecedores de um imóvel de família, recaindo a proteção do parágrafo único, do art. 1º da Lei nº 8.009/90 não só sobre aqueles indispensáveis à habitabilidade de uma residência, mas também sobre os usualmente mantidos em um lar comum. Excluem-se do manto legal apenas os veículos de transporte, objetos de arte e adornos suntuosos" (REsp 439.395/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 14.10.2002).
In casu, foram penhorados uma máquina de lavar louça, um forno de microondas, um freezer, um microcomputador com acessórios e uma impressora. Os mencionados bens, consoante jurisprudência consolidada desta Corte Superior de Justiça, são impenhoráveis, uma vez que, apesar de não serem indispensáveis à moradia, são usualmente mantidos em um lar, não sendo considerados objetos de luxo ou adornos suntuosos. Precedentes. Recurso especial provido.
(RESP 691.729/SC, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14.12.2004, DJ 25.04.2005 p. 324).

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. BENS MÓVEIS QUE GUARNECEM A RESIDÊNCIA DOS DEVEDORES. ACÓRDÃO REGIONAL QUE OS CONSIDERA IMPENHORÁVEIS E NÃO SUPÉRFLUOS, ALÉM DE EXPRESSÃO ECONÔMICA ÍNFIMA. SÚMULA N. 7-STJ. INCIDÊNCIA.
I. Os aparelhos de televisão, vídeo-cassete e som, utilitários da vida moderna atual, são impenhoráveis quando guarnecem a residência dos devedores, na exegese que se faz do art. 1o, parágrafo 1º, da Lei n. 8.009/90.
II. Duplicidade, no caso, de televisores, o que, entretanto, dado ao ínfimo valor encontrado na avaliação, e o montante da dívida atual, não recomenda a incidência da penhora sobre o segundo aparelho, consoante a fundamentação do aresto a quo, na apreciação dos fatos da causa, que não têm como ser revistos em sede especial.
III. Recurso especial não conhecido.
(REsp 584.188/DF, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 04.08.2005, DJ 05.09.2005 p. 416).

Nesse sentido, a orientação desta Colenda Câmara:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE. LEI Nº 8.009/90. FREEZER, APARELHO DE SOM E VIDEOCASSETE. A impenhorabilidade não recai apenas sobre os bens indispensáveis à vida familiar, mas, sim, sobre todos aqueles que, não se tratando de meros adornos suntuosos ou supérfluos, são normalmente encontrados em um lar comum. Atualmente, não se pode considerar o freezer, o aparelho de som e o videocassete como bens dispensáveis, pois são equipamentos altamente necessários ao homem moderno, seja para facilitar a atividade doméstica, seja para dar-lhe um mínimo de conforto, em consonância ao modelo democrático estabelecido pela Constituição Cidadã de 1988. Precedentes do STJ e desta Corte. AGRAVO PROVIDO DE PLANO POR DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR. (Agravo de Instrumento Nº 70012914321, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 15/09/2005).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE BENS QUE GUARNECEM O LAR DO DEVEDOR. LEI 8.009/90. A exegese do art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.009/90 atesta como impenhoráveis, dentre os bens que guarnecem a residência do devedor, aqueles necessários e integrados ao funcionamento do lar, ou imprescindíveis ao mínimo conforto da família, tais como freezer, vídeo-cassete e máquina de secar roupas. Penhora desconstituída em relação a estes bens. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70009980525, DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, JULGADO EM 13/10/2004).

No mesmo norte, a jurisprudência desta Corte:
APELAÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMPENHORABILIDADE DOS BENS QUE GUARNECEM A RESIDÊNCIA DA EMBARGANTE. 1.É de ser mantido o benefício da assistência judiciária gratuita mediante afirmação da parte de que não tem como arcar com as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo próprio e de sua família, quando as circunstâncias fáticas também autorizam a presunção. Inteligência do art. 4( da Lei n( 1.060/50. 2.Reconhecimento da impenhorabilidade dos bens constritos - freezer, televisor, videocassete e antena parabólica -, que apenas guarnecem a residência e não integram a noção de suntuosidade ou ostentação, a excepcionar a incidência da regra protetiva. Precedentes. Ademais, não são penhoráveis aqueles bens cujo produto da venda possa restar absorvido apenas nas custas do processo (art. 659, par.2º, do CPC). Apelo provido. (Apelação Cível Nº 70010873495, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Orlando Heemann Júnior, Julgado em 12/05/2005).

APELAÇÃO CÍVEL.EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA. IMPENHORABILIDADE DE TELEVISÃO E APARELHO DE SOM. BENS QUE GUARNECEM A RESIDÊNCIA DO DEVEDOR. Formou-se entendimento pretoriano no sentido de que são impenhoráveis não somente os bens indispensáveis à moradia, mas também aqueles que usualmente integram a residência e não se caracterizam como objetos de luxo. APELAÇÃO DESPROVIDA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70014326029, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Julgado em 12/07/2006).

Logo, deve ser acolhida em parte a exceção de impenhorabilidade sobre os bens constritos nos autos da execução em apenso.
Em razão do resultado do julgamento do presente recurso, redistribuo os ônus sucumbenciais estipulados na sentença, fixando-os em 50% das custas para o embargante e 50% para a embargada. Quanto aos honorários advocatícios, arcará o embargante com honorários do procurador da parte embargada, estimados em R$ 350,00 e esta suportará os honorários do advogado do embargante, fixados em R$ 350,00, com fulcro no §4º do art. 20 do CPC e devidamente sopesadas as moderadoras do §3º do mesmo dispositivo legal, deferida a compensação, na forma da Súmula nº 306 do STJ. Ressalto, outrossim, que resta suspensa a exigibilidade dos encargos sucumbenciais ao embargante, à luz do que estabelece o artigo 12 da Lei 1.060/50.

Diante do exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso, apenas para afastar a constrição sobre o freezer, marca Prosdócimo, F215 Smile, cor branca, o forno de microondas, marca Panasonic, cor branca; a máquina de lavar roupas, marca Eletrolux, Top oito, cor branca; o aparelho de som, marca Britânia Sound, BS W 600, digital, com duas caixas de som e o aparelho de DVD Matrix Plus, marca Britânia Image, com controle remoto, efetuada nos autos da execução em apenso. Redistribuída a sucumbência na forma supra.
É o voto.

Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.
Des. André Luiz Planella Villarinho - De acordo.

DES. CLÁUDIO AUGUSTO ROSA LOPES NUNES - Presidente - Apelação Cível nº 70018069211, Comarca de Garibaldi: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: ROSANGELA CARVALHO MENEZES
Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Marcadores: , ,

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home